São as ideias de Alma, Universo e Deus, sobre as quais se fundamentam Psicologia, Cosmologia, e Teologia Racionais; ideias independentes de qualquer experiência e, por conseguinte, vazias de todo conteúdo real". Schopenhauer não tem dificuldade para mostrar que, dessas três ideias que Kant coloca em pé de igualdade e que apresenta como igualmente incondicionada, ao menos duas-O Universo e a Alma- são condicionadas pela terceira, que é Deus; que as ideias de Kant, puros conceitos racionais, não tem relação alguma com as de Platão, que são, pelo contrário, a soma de toda a realidade; que existe alguma contradição em admitir que algumas ideias se impõem á razão, embora a razão seja impotente para demonstrá-las para si mesma e para representá-la como existentes; enfim , que a " dialética transcendental" não passa de uma excrescência inutil do sistema Kantiano.
" Kant mantém as ideias da razão porque se propõe a dar-lhes depois uma existência real, na" Crítica Da Razão Prática", livro no qual mostra que a lei moral, sendo absoluta, supõe um legislador também absoluto, e que a liberdade, consequência da obrigação moral, supõe á responsabilidade, a remuneração final, a imortalidade da alma.
Assim, o sistema de Kant, em muitos pontos, é um compromisso e mesmo um conflito entre a sagacidade de seu espírito crítico e as necessidades de sua alma religiosa. (trechos retirados da página 143);
" Schopenhauer tem uma maneira de filosofar diferente da de Kant: percebe-se isso pelas inconsequências que lhe censura. ele tem um traço em comum com Kant: o amor pela verdade. Até sua mãe, mais propensa a ver seus defeitos que suas qualidades, reconhecia nele o raro mérito de ser sempre franco consigo mesmo e com os outros. Mas, na obra de Shopenhauer, a verdade tem modos altivos; ela comanda e se impõe; não admite hesitação alguma, qualquer demora; revolta-se contra as resistências. A filosofia de Schopenhauer brota de uma fonte única, a teoria da vontade, se cristaliza em seu primeiro jorro. Aquilo que ela é de, início, continuará a ser, e torna-se forçoso que o mundo a receba tal como ela é: esta é a íntima convicção e a inquebrantável esperança de seu autor.Kant tinha algumas tradições de família e vínculos nacionais; ele pertencia a um Estado, a uma igreja, sabia que era membro de uma sociedade e fazia questão de não romper seus laços com ela.
Schopenhauer desde cedo, viu-se separado dos seus e jamais teve pátria; " envergonha-se de ser alemão"." Seus pensamentos é o de um estranho neste mundo; indiferente ao que nos toca mais de perto, sem piedade pelas nossas fraquezas e sem respeito pelas nossas ilusões, ele segue em frente, sem outra preocupação além de por na pista do verdadeiro e de surpreendê-lo em seu refúgio mais profundo. (pg 144);
" Para Shoepenhauer, como para Kant, a faculdade de conhecer é, sucessivamente, sensibilidade, inteligência e razão. ele só difere de Kant, pelo papel mais modesto que atribui á razão. Shopenhauer não admite as Ideias transcendentais de Kant, as ideias de Alma, Universo e Deus sobre as quais ele fundamenta a Psicologia, a Cosmologia e a Teologia Racionais, simples entidades lógicas ás quais a própria razão não pode emprestar qualquer conteúdo real, e que recebem sua certeza apenas da consciência moral. Algumas ideias desprovidas de toda realidade objetiva não podem fornecer, segundo Shopenhauer, apoio sólido para as ciências, só entravam suas descobertas". Pg 147;
" Toda instituição é intelectual. Sem a inteligência, não haveria intuição alguma, nenhuma percepção de objetos. Para que exista intuição, ou seja, para que tomemos conhecimento de um objeto, é necessário, em primeiro lugar, que nossa inteligência relacione cada impressão que nosso corpo recebe a uma causa que ela transporte, essa causa para um ligar do espaço de onde parte o efeito experimentado, e que, assim, ela reconheça a causa como efetua, como real, como uma representação do mesmo tipo que nosso príoprio corpo." (pg 148);
" O mundo é minha representação: eis aí uma verdade que se aplica á todo ser vivo e cognoscente. Só o homem, no entanto, é capaz de transportar essa verdade para o domínio da consciência abstrata e reflexiva; e, no dia em que o faz, o espírito filosófico nele nasceu". (pg 148);
" [....] Nenhuma verdade é mais segura, mais independente de qualquer outra, nenhuma tem menos necessidade de prova do que esta: tudo aquilo que se oferece ao nosso conhecimento, ou seja, o mundo interno, nada mais é que o objeto em relação ao sujeito, percepção em relação a alguma coisa que percebe, em resumo, representação"(pg 149);
" Descartes, acrescenta Shopenhauer, pressentiu essa verdade quando disse; "penso, logo, existo"; e quando estabeleceu , assim, que o ponto de partida de toda filosofia é um ato da inteligência, isto é, um fato interno".(pg 149);
" A idealidade do tempo, descoberta por Kant, já está contida na lei da inércia, que pertence á mecânica. Porque, no fundo, essa lei estabelece que o tempo não pode produzir por si só nenhum efeito físico, e que, por conseguinte, por si só e em si mesmo, ele nada modifica nem no repouso nem no movimentode um corpo. Por conseguinte, o tempo não tem qualquer realidade física, só tem uma existência ideal, transcendental, isto é, retira sua existência não das coisas, mas do sujeito cognoscente."(PG 150);
" Pelo contrário, o tempo passa sobre as coisas sem imprimir nelas a menor marca".(pg 150);
" O tempo não é um simples movimento ou uma trasformação qualquer dos corpos. Pelo contrário, todo movimento, toda transformação, só ocorre nele, é condicionada por ele. O relógio adianta ou atrasa, mas não o tempo. Pelo contrário, a marcha normal e uniforme , acordo com a qual são determinados o avanço ou o retardo é precisamente aquilo que se chama de curso do tempo. O relógio mede o tempo, ele não o produz.Mesmo que todos os relógios parassem, mesmo que o sol ficasse imóvel, mesmo que todo movimento, toda transformação, cessasse, o tempo não suspenderia por um instante sua marcha"(pg 151; 152;)
" No entanto, não podemos nos equivocar quanto ao verdadeiro pensamento de Shopenhauer. Ele não nega a realidade do mundo exterior, e nisso se separa de forma decisiva do idealismo absoluto. "(pg 155);
" O espaço e o tempo, as condições primeiras de todo conhecimento, não passam de quadros vazios: é a causalidade que os preenche; ela é o laço entre o espaço e o tempo. O espaço sozinho é a extensão fixa e imóvel; o tempo sozinho é o fluxo incessante e inapreensível. O tempo e o espaço reunidos são a duração, a substância que permanece quando a forma e a qualidade se modificam". (pg 157);
" O espaço, o tempo e a causalidade: estas são, portanto, as três formas de nossa intuição. São como moldes que apresentamos ao mundo exterior e nos quais o configuramos segundo nossa conveniência. Esses são os instrumentos de nossa representação. Porém, a cada classe de representações corresponde uma manifestação específica de nossa faculdade de conhecer. O tempo e o espaço têm como correlato, em nosso espírito, a sensibilidade, denominação não totalmente exata, diz Schopenhauer- porque" sensiblidade" já supõe " matéria"-, mas que é preciso conservar, com lembrança" daquele que, aqui, abriu o caminho". O correlato da causalidade ou da matéria, o que vem a dar no mesmo, é a inteligência".(pg 158);
A ciência abstrata, a ciência dos livros, torna o homem inapropriado á vida. Ler é pensar com a cabeça do outro; ora, com esse exercício, termina-se por perder o uso de sua própria cabeça. Schoepnhauer compraz-se em pintar a miséria intelectual do sábio que só é sábio pela ciência alheia. e, no capítulo mencionado, ele se encontra sem querer Com Montaigne. " Na verdade", diz Montaigne, falando dos sapientes," na maioria das vezes, eles parecem desprovidos até do senso comum. Porque o camponês e o sapaterio, vós os vedes seguir simples e ingenuamente seu caminho, falando daquilo que sabem quanto aos sábios, por quererem se elevar e se defrontar com esse saber que voga na superfície de seu cérebro, vão se embaralhando e enrredando sem cessar. Escapam deles belas palavras, mas que outro as acomode! Eles sabem a teoria de todas as coisas: buscai quem a ponha em prática"(.PG 167);
" Por fim, a inteligência está muito desigualmente partilhada entre os homens. A natureza, na repartição de seus dons, é ainda mais aristocrática que a sociedade. Os espíritos malfeitos são a regra, os espíritos elevados são raros, e o gênio é um monstro. essa desigualdade abre entre os homens um abismo que só " a bondade do coração" é capaz de transpor. A bondade é o princípio unificador da sociedade, o verdadeiro laço entre alguns seres cuja inteligência os separaria para sempre. Esse laço ainda é muitas vezes partido. Um espírito superior conversando com um espírito medíocre é como um cavaleiro montado num corcel afoito tendo de acompanhar um pedestre, ele apeará por alguns instantes, para andar ao lado de seu companheiro; porém, a impaciência de sua montaria logo o forçará a se pôr de novo á sela e deixar ali o viajante menos equipado.(pg 170);
" Schopenhauer acaba de mostrar que, depois de Kant, nossa inteligência nos faz conhecer apenas fenômenos, ou seja, aparências, e que ela nada nos ensina sobre a realidade das coisas. E como essas aparências, essas imagens que nos nossos sentidos nos apresentam, essas representações que formamos dos objetos, estão em nosso espírito, e apenas nele, somos nós mesmos- de alguma forma- que nos vemos no mundo exterior; nós nos desdobramos em uma miragem. Uma ilusão permanente nos rodeia e envolve, forma uma barreira entre nós e as coisas, nos impede de sair de nós mesmos.Existiria um meio de dissipar essa ilusão? (pg 173);
"Mas o que é a vontade segundo Schopenhauer? Será simplesmente, de acordo, com o sentido comum da palavra, a atividade consciente de um ser inteligente? Não.Ele a chama, além do mais, de querer viver, a tendência á vida inerente a qualquer criatura; e essa denominação corresponde melhor á sua ideia. Schopenhauer abarca- para não dizer unifica- no mesmo ponto de vista todas as manifestações vitais da múltipla natureza. O papel da filosofia não seria mostrar a unidade na diversidade? Eis como ele raciocina.(pg 175);
" Meu corpo, como simples representação, é um objeto em tudo semelhante aos outros objetos que preenchem o espaço.
Ora, eu constatei que meu corpo também pode ser conhecido de outra maneira, absolutamente diferente da intuição, que eu designo pela palavra vontade. Será que eu não estaria autorizado a pensar que os outros corpos, que ainda são conhecidos por mim apenas como representação, são também, de outro ponto de vista, fenômenos de vontade?
(pg 175);
" Não é somente o ceticismo, é sobretudo, o materialismo que Schopenhauer pretende combater. Para o materialismo, a vontade, ou seja, a atividade consciente e refletida, não passa de um modo particular da força que rege o mundo físico.Porém, embora se possam calcular os efeitos de uma força, não se pode dizer aquilo que ela é em si mesma, não é possível penetrar a sua essência. Colocar a vontade sob o conceito geral de força é, portanto, definir uma incógnita por meio de outra incógnita. Além do mais, a força está intimamente ligada ao mundo fenomênico e não nos permitirá jamais ultrapassá-lo. Pelo contrário, " reduzir o conceito de força ao de vontade é reduzir uma coisa desconhecida a algo infinitamente mais conhecido( o que estou dizendo?!), á única coisa que conhecemos imediata e absolutamente. È ampliar sobremaneira o nosso conhecimento". Schopenhauer inverte, portanto, a ordem dos termos. A vontade torna-se o gênero, e a força, a espécie. " (Pg176).
" Shopenhauer acusa muitas vezes os filósofos de terem desviado a palavra Ideia de seu sentido primitivo; não vê que ele próprio, aqui, não é totalmente fiel ao pensamento de Platão. (pg 181);" seria bem possível, olhando de perto, achar uma contradição na relação que Schopenhauer estabelece entre as nossas faculdades. Para ele, a inteligência é uma função do cérebro; ele chega a empregar muitas vezes um termo em lugar do outro. Ora , o cérebro é uma parte do corpo, ele próprio um produto da vontade. Como a inteligência viria, logo depois, esclarecer a vontade, sua mãe? è preciso lembrar aqui, como em diversos outros pontos, as palavras de Schopenhauer: " Não existe nada mais fácil e também nada mais inútil do que refutar um filósofo". (pg 185);
" Se percorremos de alto a baixo a escala hierárquica dos animais, descobrimos que, nela a inteligência se torna cada vez mais fraca, mas não observamos de maneira alguma uma correspondente degradação da vontade. O menor inseto quer aquilo que quer de modo tão resoluto e perfeito quanto o homem; só existe diferença naquilo que ele quer, e isso depende da inteligência . A vontade é simples em si mesma; sua função é unicamente querer ou não querer; e, em virtude de sua simplicidade, ela não comporta graus; è sempre igual a si mesma."Ela só apresenta gruas em sua maneira de ser afetada, que vai da inclinação mais fraca até a paixão; e em sua facilidade de ser afetada, que vai de temperamento fleumático até o colérico. A inteligência, ao contrário, não tem graus somente em sua maneira de ser afetada, do torpor á fantasia ou ao entusiasmo; ela os tem em sua própria essência, em sua maior ou menor perfeição, desde o animal situado no ponto mais baixo da escala- dotado apenas de uma percepção confusa- até o homem, e, na espécie humana, desde o imbecil até o homem de gênio."(pg 186);
" A inteligência, mesmo em sua perfeição,se fatiga após um longo esforço. O cérebro, como todas a outras partes do corpo, tem necessidade de repouso. A vontade, ao contrário, é infatigável. ela mostra, desde o berço do homem, que é o elemento primitivo de seu ser.Uma criança de colo, que tem somente um clarão de inteligência, atesta pelo choro a necessidade de querer que é superabundante nela; ela quer com energia, antes mesmo de saber o que quer. Ao contrário, a inteligência se desenvolve aos poucos,paralelamente á evolução do cérebro e ao grau de maturidade de todo o organismo. " (pg 186);
" A inteligência e a vontade são, portanto, no fundo, independentes uma da outra. Mas é nesta última, ou seja, nas inclinações, nos hábitos, no caráter, em tudo aquilo que constitui a vida moral, que residem a essência do homem e seu verdadeiro valor. Não seria possível censurar ninguém por carecer de espírito; desculpa-se mesmo, de bom grado, um imbecil dizendo " Que ele não pode mais que isso", no entanto, ninguém pensa em invocar a mesma desculpa para um malfeitor. A opnião é guiada por um instinto muito seguro na maneira como ela determina as responsabilidades."(pg 191);
" A inteligência, a beleza e o gênio nos valem a admiração dos homens: a bondade atrai sua simpatia: e, se nos interrogarmos com sinceridade, descobriremos que é pelo grau de nossa bondade que medimos involuntariamente a estima que temos por nós mesmos." È por isso que lançamos um olhar indiferente e mesmo complacente sobre as tolices e as loucuras da nossa juventude, ao passo que as falhas de caráter das quais nos tenham acusado, as más ações que tenhamos cometido, erguem-se ainda diante de nós como um remorso na extrema velhice". (pg 192);
" A filosofia de Shopenahuer tem dois antecedentes: o racionalismo de Kant e o idealismo de Platão. Sua teoria do conhecimento deriva de Kant, seu quadro das artes se inspira em Platão. As ideias de Platão são a expressão mais poética, mais sedutora jamais conferida ao idealismo. As ideias, as únicas realidades, das quais os pretensos objetos reais não passam de cópias imperfeitas, tornam-se, na obra de Shopenhauer, os modelos das espécies, manifestações imediatas a vontade e elevadas, como ela, acima das condições de tempo e espaço. As ideias são sempre, não vêm a ser jamais, ao passo que os indivíduos que as representam diante dos nossos olhos vêm a ser, isto é, nascem e desaparecem ." Pg 195);
" A contemplação pura e desinteressada e a união íntima com a natureza, consequência dela, são a primeira condição da arte e o resumo de todas as suas regras. A arte tem origem no conhecimento das ideias, sua finalidade é a transmissão desse conhecimento. Seu objeto se distingue essencialmente de todas as espécies de ciências. As ciências naturais e as ciências históricas assentam-se no princípio da causalidade. As ciências matemáticas estudam o tempo e o espaço. Ambas têm como objeto o fenômeno, ou seja, o mundo que se modifica. A arte é a representação do mundo naquilo que ele tem de permanente." (pg 199);
" O caráter é a beleza do indivíduo, do mesmo modo que a beleza é caráter da espécie.". (pg 208);
(FIM)