B ossert, Adolphe, 1832-1922;
Introdução a Schopenhauer; Adolphe Bossert; tradução Regina Schopke, Mauro Baladi-Rio de Janeiro: Contraponto, 2011;
Resenha do livro “Introdução a Schopenhauer, editora Contraponto, Rio de Janeiro, RJ;
- “Cada vez que um homem é concebido, torna-se a dar corda no relógio da vida, e ele retorna o estribilho fastidioso que já tocou tantas vezes, compasso por compasso, com variações insignificantes. Cada indivíduo, cada rosto humano, cada vida humana, não passa de um sonho sem duração do espírito infinito que anima a natureza, do querer viver indestrutível.” (p-237; 238);
“Tal é a vida humana em sua aparição geral e comum”. Fugidia como é, ela ainda poderia nos agradar se ao menos nada exigisse de nós. Porém é necessário que a preenchamos com atos. Cada ser, por sua conta, é uma personificação do querer viver universal. Ora, querer viver é fazer esforço. Quando o esforço é contrariado, ele se traduz em sofrimento; quando dá resultado, proporciona satisfação; mas a satisfação dura pouco, porque é logo seguida de novo esforço; essa continuidade de esforços, mesmo que fossem todos bem-sucedidos, causa um estado de inquietude que também é um sofrimento. Portanto querer viver, fazer esforço e sofrer, tais são as três fases invariáveis de toda existência.
O sofrimento é tanto maior quanto mais esclarecida é a inteligência, mas ele surge desde os graus inferiores de animalidade. Tudo aquilo que sente está destinado a sofrer. Pg238;
ü “Assim, a vida oscila entre a dor e o tédio, pior que a dor”. A satisfação é apenas uma libertação; ela faz calar momentaneamente a necessidade, que logo renasce sob outra forma. Só desfrutamos da satisfação indiretamente, pela lembrança da privação passada. O sofrimento, pelo contrário, apresenta-se a nós sem intermediário. Todo prazer, em essência, é negativo. Só a dor é positiva: e quando procuramos escapar dela pela ausência de desejo, não temos outro refúgio além de um estado de langor, uma espera sem objeto, o tédio. (pg 239);
ü “O erro dos homens comuns é acreditar que a causa de seu sofrimento está fora deles. AH! se determinada circunstância pudesse ter sido outra, se determinado acaso pudesse não ter produzido, uma desgraça seria evitada. Mas o destino tem cem meios de agir sobre nós, se nós lhe escaparmos por um lado, ele torna a nos pegar por outro. Cada um de nós tem em si certa capacidade de sofrer: é preciso que ela seja preenchida. Um ferido por grande dor chega a desprezar os pequenos aborrecimentos; outro, que se acredita feliz, atormenta-se por contrariedades insignificantes: um terceiro, na falta de males reais, cria alguns imaginários. Na realidade, cada qual paga seu tributo, por atacado ou em dinheiro miúdo. (pg 240);
<ü “quanto aos otimistas declarados, ele os convida, para se convencerem de que o mundo é ruim, a visitar os hospitais, os leprosários, as prisões e as pocilgas onde se esconde a miséria. Esquece que nesses mesmos lugares se mostra também a virtude que ele próprio considera a primeira de todas, a simpatia humana, a piedade; (pg 241);
<ü “A felicidade não se mede, não se quantifica; ela é um sentimento, e o sentimento não tem extensão no espaço”. Dois sentimentos só podem ser comparados pelo grau de intensidade naquele que os experimenta; em si mesmos, eles não têm qualquer valor tangível. Portanto, é impossível provar que os bens levam vantagem sobre os males, porque não se trata de um fato da experiência ou do cálculo (pg 241);
ü Schopenhauer o chama de vontade; ele o chamaria também de vida. A vida, portanto, não é o esforço, é o estado natural, é a expansão livre, espontânea e irresistível dos seres. (pg 242);
ü“Quando o egoísmo se torna agressivo, quando a vontade de um indivíduo irrompe no domínio no qual se afirma a vontade de outro indivíduo, existe injustiça, sob qualquer forma que ela se produza, desde a violação da propriedade até o atentado contra a pessoa. (PG 256);
“Como, segundo Schopenhauer, na transmissão das qualidades morais, pela hereditariedade, a vontade vem do pai e a inteligência, da mãe, na realidade, é o pai que sobrevive nos descendentes.”(pg 247);
“O primeiro passo de entrada na vida, é o primeiro olhar que os futuros pais trocam entre si”. (PG 250);
“A paixão é cega; o amor tem uma venda nos olhos. No entanto, o extinto, iluminado por não se sabe qual luz interior, escolhe com um tino maravilhoso aquilo que pode satisfazê-lo” (pg. 250);
ü “Cada um dos dois amantes, procura no outro, as qualidades que faltam nele próprio, a fim”.
<ü de que o ser que deles se originar possua, em um conjunto harmonioso, todas as perfeições que eles podem lhe conferir.”(pg. 251);
<!--[ü A mulher também sabe que só pode transmitir ao filho a inteligência, ao passo que a vontade provém do pai. Portanto, o que a cativará em um homem é a firmeza, a coragem, e talvez também a bondade e a equidade.”
<ü “A falta de inteligência não a deterá: todos os moralistas têm observado que a tolice não importuna as mulheres ( pg 251);
<!-ü “O puro instinto sexual é menos vivo que a paixão exclusiva. Ele também é mais vulgar, porque tende á conservação da espécie apenas pela quantidade, sem levar em conta a qualidade. Mas pode ocorrer entre um homem e uma mulher, entre suas qualidades físicas e morais, uma concordância excepcionalmente feliz, obra profunda e misteriosa da natureza, inconcebível para o nosso espírito como tudo aquilo que está ligado á coisa em si.” PG 251;
ü“só a espécie tem uma vida infinita e, por conseguinte, desejos infinitos; também apenas ela tem satisfações e dores sem fim”.
<!ü “A vontade de viver se manifesta, no seu grau mais humilde, na conservação do corpo, nos esforços que cada ser faz para assegurar a manutenção de sua existência e o funcionamento de seus órgãos. Ela dá um passo a mais quando, ultrapassando os limites da existência particular, tende a se perpetuar na série de gerações futuras. Eis aí a afirmação da vontade na ordem física. (pg 255);
ü Disso resulta “que cada indivíduo, por menor que ela seja um nada no espaço sem limites, considera-se, no entanto, o centro do mundo e se preocupa, antes de tudo, com sua conservação e seu bem-estar.” (PG 255);
<ü Quando o egoísmo se torna agressivo, quando a vontade de um indivíduo irrompe no domínio no qual se afirma a vontade de outro indivíduo, existe injustiça, sob qualquer forma que ela se produza, desde a violação da propriedade até o atentado contra a pessoa. A injustiça cometida demanda a intervenção da sociedade, que se vê ameaçada como um todo pelo dano causado a um de seus integrantes. A injustiça acarreta o castigo, não como uma retribuição que se deve á falta ou ao crime, mas como meio de prevenir seu retorno. (pg 256);
<ü “Schopenhauer só admite o castigo com finalidade preventiva, seja para desarmar o culpado, seja para advertir aqueles tentados a imitá-lo”. “pg256”.
ü “A sociedade não tem o direito de retribuir o mal com mal, de acrescentar sofrimento a outro sofrimento; mas ela tem o dever, assim como o direito, de diminuir o sofrimento na medida do possível e, na mesma medida, de impedir o mal que poderia advir. (pg 256);”
<ü “A sociedade, ou o Estado, que é a sociedade organizada, é um meio pelo qual o egoísmo armado de razão escapa ás consequências de suas próprias faltas, cada um contribui para o bem de todos, sabendo que seu próprio bem está aí incluído”. O estado, por meio das forças humanas que reúne em si, reduz cada vez mais o resto da natureza para seu serviço. Se atingisse inteiramente o seu objetivo, ele poderia, portanto, chegar a expulsar do mundo o mal sob todas as suas formas, e assim construir para nós uma terra das maravilhas ou coisa parecida. Mas o estado sempre está muito longe de seu objetivo: além do mais, mesmo que ele o atingisse, não poderia suprimir a multiplicidade dos males inseparáveis da vida e que a mantém no sofrimento; por fim, se todos os males viessem a desaparecer, restaria ainda o tédio, que logo tornaria o lugar deles, de modo que a dor não perderia nenhuma de suas posições. (PG 256);
ü “O Homem, por mais pervertido que seja pela paixão ou pela inveja, ainda sente vagamente que a mesma vontade, carregando consigo as mesmas dores, se agita dentro de e em cada um de seus semelhantes (pg 257);”
<ü“A identidade originária de todos os seres, que se revela vagamente á consciência do homem injusto, surge, no estado de conhecimento claro, aos olhos daquele que soube dominar o impulso cego de sua vontade”. A negação, tanto quanto a afirmação da vontade, tem uma gradação, desde a simples justiça até o espírito de caridade e de abnegação (PG 258);
<ü A justiça é uma virtude puramente negativa: a bondade é superior á justiça; é ativa e previdente. Ela soma á justiça a benevolência e a graça. Levá-nos a recursar um serviço que nos é devido, ou que nos é oferecido, e a fazer os outros tirarem proveito daquilo que nos pertence, até o ponto de nos privarmos por causa deles; (pg 258);
<ü“O que muitas vezes desacredita a bondade é que ela se confunde com a fraqueza. Mas pode se harmonizar com uma manifestação muito enérgica da vontade; apenas ela apresenta como objetivo para a vontade o bem de todos; ela ergue como princípio que” nosso verdadeiro eu não reside apenas em nossa pessoa, nesse fenômeno que somos, mas em tudo aquilo que vive”. Portanto, a bondade toca de perto a abnegação; ela é estimulada pelo espetáculo do sofrimento universal” pg 258;
ü ““ A piedade, “ que faz sua miséria do mundo” , equivale á negação da vontade do ponto de vista moral,ou seja, ao sacrifício da vontade individual nas relações da vida e em última consequência, ela chega a negar a vontade no sentido metafísico, a abster-se completamente do querer. ;( pg 256);
<ü O homem no qual a vontade chegou a esse último grau de depuração possui uma nova ideia da vida. Ele não tem mais diante de si essa alternância de bens e males com os quais se forma cada existência particular e a qual se liga exclusivamente o olhar daquele que ainda é escravo do egoísmo. (pg 259);
ü “Mas o suicídio, longe de ser uma negação da vontade, ao contrário, é sua afirmação mais enérgica. O homem que mata a si mesmo nada pediria além de viver se a vida fosse tal como ele a deseja; ele mostra mesmo, por sua resolução violenta, como estava ligado a esses bens cuja privação lhe é insuportável; “(pg 260);
ü A felicidade dos homens comuns consiste na alternância entre trabalho e gozo, que pra mim são a mesma coisa. È por isso que a vida dos homens da minha espécie é necessariamente um monólogo. (PG 262);
<ü Schopenhauer é o homem de sua doutrina. Ele jamais teve outro objetivo, além de formulá-La, explicá-la e difundi-la, sendo ele mesmo sua representação viva. (pg 263);
<!ü Schopenhauer é um poeta filósofo; ele tem mais experiência que raciocínio, e ainda mais imaginação que experiência. (pg 265);
<ü O filósofo tem um ponto de vista a partir do qual examina o mundo, e que depende da natureza de seu espírito ou das influências que ele sofreu. (pg 267);
ü Não é assim que procede Schopenhauer: ora ele é Kantiano, ora platônico, e apenas na teoria da vontade e em uma parcela da teoria das artes é totalmente ele próprio. (267);
ü Schopenhauer quer que a espécie, assim como a vontade da qual ela emana,esteja situada fora do tempo. O indivíduo morre, a espécie subsiste. (pg 269);
<ü A espécie, o gênero e o indivíduo serão outra coisa além de categorias do nosso espírito? Mas se a espécie desaparece, a Ideia, não sendo mais representada por nada, deve desaparecer também. A doutrina revela aí uma série de inconsistências, e talvez certo desdém pela verdade científica. ( pg 269);
ü Schopenhauer não se cansava de dizer que ele não pretendia sair do domínio da experiência, que só queria conhecer aquilo que existe, sem se inquietar em saber porque existe. Segundo Schopenhauer, foi Aristóteles quem forneceu, em seu sistema do mundo, a base sobre a qual o teísmo se estabeleceu durante séculos. (pg 312);O homem que sempre viveu no ceticismo termina por se habituar e por se alojar comodamente nele; o verdadeiro cético, aquele no qual o ceticismo atinge toda a sua profundidade, é o crente desiludido. Nesse grau, ele está pronto para abraçar qualquer doutrina nova, e de preferência adota-se aquela que se anuncia com maior autoridade. (PG 322);
ü Schopenhauer é honesto tanto em seu estilo quanto em pensamento. Há tão poucos escritores honestos, que, para falar a verdade, caberia desconfiar de todo homem que escreve. Só conheço um que, pela honestidade, é igual e até superior a Schopenhauer: Montaigne. [....]. Esses dois homens tem ainda outra característica em comum: uma serenidade de tipo particular, que se transmite ao leitor. (pg 342);
<ü “Uma língua é uma obra de arte; é preciso manejá-la como artista. Ela é também nacional, uma herança dos ancestrais; é preciso abordá-la com respeito, tocá-la com precaução.”(pg 344);
ü “Muitos livros servem apenas para montar como existem atalhos pelos quais podemos nos extraviar. Só é necessário ler quando a fonte viva do pensamento para de jorrar, o que pode acontecer ás melhores cabeças. Porém, rechaçar um pensamento pessoal e original para pegar um livro, isso é um pecado contra o Espírito santo; é voltar as costas á natureza para examinar um herbário ou uma paisagem em gravura.” (pg 347);
<ü “Para o homem de Schopenhauer, a virtude suprema é a veracidade. Ele quer se conhecer e conhecer ao mesmo tempo a essência do mundo. Não se contenta como o espetáculo ofuscante das coisas que passam; ele olha para dentro de si, para surpreender nas profundezas de sua consciência o segredo da vida; (pg 347);
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