Maria Lúcia Petit da Silva era uma jovem de 22 anos, 1,62 metro de altura, cerca de 45 quilos e usava os cabelos lisos e castanhos na altura dos ombros. Tinha nariz afilado, olhos escuros e era um pouco estrábica. Formada em Magistério, trabalhava como professora primária, na Escola Aviador Frederico Gustavo dos Santos, em São Paulo. No final de 1969, entrou para o PC do B. À família e aos amigos dizia que seu maior sonho era ajudar na educação das crianças dos grotões do Brasil.Apresentou-se ao PC do B como voluntária, e logo foi escalada para trabalhar no interior de Goiás. Estava feliz. Era exatamente o que ela queria.
Em janeiro de 1970, foi para o sul do Pará, de onde seguiria para ajudar no trabalho social da guerrilha, na região do Araguaia. (pg 129).
Passava a maior parte do tempo ensinando as crianças a ler e a escrever e conversando com os jovens e adultos, a quem falava do motivo da guerrilha. Sempre dizia que a luta era pela igualdade social do Brasil. Costumava falar que era inaceitável viver num país em que poucos tinham tanto e tantos tinham tão pouco. Invariavelmente, suas aulas e discursos eram carregados de palavras de carinho. Estava sempre bem- humorada e era muito apegada ás crianças da região. Assim, conquistou a amizade e o respeito de todos dos povoados do Araguaia nos quais trabalhava. Não raro, era convidada para ser madrinha das crianças, que haviam acabado de nascer.
Poucos dias antes de morrer,Maria Lúcia tinha recebido um desses convites.
Havia sido convidada pelo agricultor conhecido como João Cocoió para batizar seu filho de 2 meses de vida. Ela aceitou o convite, sem saber que esse mesmo homem iria entregá-la ao Exército. (pg 129);
Era início de junho de 1972. Os militares faziam todo tipo de pressão para que os habitantes do Araguaia os ajudassem a capturar os comunistas. A violência era um dos mecanismos mais utilizados pelo Exército para forçar os moradores a denunciar a presença de guerrilheiros na região. Os soldados matavam animais das famílias-cavalos, bois, galinhas-espancavam a quem bem entendiam e chegavam até a queimar lavouras e casas de agricultores. João Cocoiò, um homem de cerca de 40 anos, casado e pai de Três filhos- incluindo o recém - nascido, de quem Maria Lúcia seria madrinha- já tinha recebido esse tipo de alerta do Exército, quando teve sua plantação de mandioca incendiada por meia dúzia de soldados. Tinha medo de colocar a sua família em perigo e para que os militares o deixassem em paz, resolveu denunciar a presença do grupo do qual Maria Lúcia fazia parte na região conhecida como Pau Preto , no sul do Pará.
Como não podiam aparecer nas cidades, sob o risco de serem reconhecidos e, consequentemente, presos, os guerrilheiros, costumavam pedir aos moradores da região que comprassem mantimentos , fumo e munição para o movimento rebelde. Coiocó tinha sido encarregado de ir até Xambioá, de onde deveria trazer cigarro, feijão, arroz, café e munição para os comunistas. Ao chegar á cidade, antes mesmo de fazer as compras, o agricultor foi até a delegacia e relatou tudo á Carlos Marra.
Cazuza era codinome do pernambucano Miguel Pereira, 29 anos, que morreu no Araguaia , em Setembro de 1972. E Mundico era o baiano Rosalindo Souza, 33 anos, morto um ano depois, ainda durante a guerrilha. Maria Lúcia, Cazuza e Mundico pertenciam ao destacamento do movimento cuja base ficava na região de Pau Preto, a cerca de 3 quilômetros da casa de João Cocoió. (pg 131);
Os especialistas da Unicamp, comandados pelo legista Fortunato Badan Palhares, então diretor do Departamento de Medicina Legal da Universidade, encontraram resquícios das roupas, calçados e acessórios que Maria lúcia Petit usava quando foi presa. O cartucho de bala calibre 20 que ela levava no bolso traseiro da calça ainda estava intacto.
Uma das pessoas que teriam acesso a essas informações era Laura Petit. Três anos mais velha que Maria Lúcia, a caçula da casa, Laura tinha se encarregado da missão de descobrir o que acontecera á sua irmã, a quem os militares identificavam em seus relatórios oficiais apenas como "desaparecida", como o Exército fazia com os rebeldes mortos durante a guerrilha. Ao saber que a ossada da irmã havia sido retirada da terra embrulhada numa lona de náilon como se fosse um animal , Laura não conseguia resistir ao pensamento de que o mesmo pudesse ter ocorrido aos seus outros dois irmãos: Jaime e Lúcio. Ambos também atuaram na guerrilha do Araguaia. Ambos também morreram nas selvas da região, com confrontos com o Exército. Jaime morreu em dezembro de 1973, aos 28 anos, e Lúcio, em Abril de 1974, aos 30. Até hoje, Laura Petit só conseguiu recuperar os restos mortais de Maria Lúcia- não se sabe onde Jaime e Lúcio foram enterrados.
A exumação era apenas o primeiro passo para a identificação do corpo de Maria Lúcia Petit da Silva. Em São Paulo, Laura Petit estava decidida a dedicar todo o tempo e esforço necessários para que se descobrisse se os restos mortais que os peritos da Unicamp haviam retirado do cemitério de Xambioá realmente pertenciam á sua irmã.
Seria um processo muito mais lento e doloroso do que Laura poderia imaginar. Durante cinco anos , ela dividiu-se entre o trabalho de professora e ações que julgava imprescindíveis para saber se aquela ossada era de Maria Lúcia. Perdeu as contas de quantas vezes foi á Unicamp, na tentativa de conversar com o legista Badan Palhares para pressioná-lo a acelerar a resolução do caso.
Os meses e anos passavam, e a ossada de Maria Lúcia Petit permanecia esquecida, acondicionada em sacos plásticos ,numa estante de uma sala fria da Unicamp.Uma informação fundamental para a identificação dos restos mortais da guerrilheira foi conseguida graças ao empenho de Laura Petit. No final de abril de 1991, ela entrou em contato com o dentista Jorge Tanaka , que tinha tratado de Maria Lúcia pouco antes de a jovem viajar para o Araguaia. Autorizado pelo departamento de Medicina Legal da Unicamp a analisar a arcada dentária da ossada recuperada em Xambioá, o médico atestou tratar-se de Maria Lúcia Petit.
Mas a análise do dentista ainda precisava ser confirmada por Badan Palhares e sua equipe, o que só aconteceria cinco anos mais tarde.
Na manhã de 15 de Maio de 1996- quase vinte e quatro anos após a morte de Maria Lúcia-, os especialistas da Unicamp anunciavam , numa sala da Universidade, a conclusão das análises realizadas nos restos mortais da guerrilheira , dispostos numa mesa coberta com uma toalha azul.No lado esquerdo da sala, um painel de madeira exibia fotos de Maria Lúcia, antes e depois de ser morta. Na plateia de cerca de trinta pessoas, havia jornalistas, fotógrafos, cinegrafistas e amigos e familiares de Maria Lúcia. Laura Petit estava sentada na primeira fila, de mãos dadas á mãe, dona Julieta, que jamais se conformaria com o fato de ter perdido três filhos na guerrilha. A pouco mais de 2 metros de distância delas, o legista Badan Palhares fazia a apresentação da ossada.
Com o crânio da jovem na mão, Badan Palhares apontou, com uma espécie de canudo branco, o local em que o tiro fatal atingiu a guerrilheira. O laudo de trinta páginas- quatorze delas só de fotos- apresentado pelo legista descrevia:
"PUDEMOS CONSTATAR QUE HAVIA CARACTERÍSTICAS DE SER OSSO DE PESSOA DO SEXO FEMININO"
" A CABEÇA DO FÊMUR ERA BASTANTE DELICADA, ASSIM COMO O ÂNGULO NASAL E O REBORDO ORBITÁRIO FINO, ELEMENTOS QUE NOS INDUZEM A PENSAR EM SER ESQUELETO DE MULHER".
" AS SALIÊNCIAS DOS SEIOS SÃO BEM VISÍVEIS".
Sobre as causas da morte de Maria Lúcia Petit, o documento apontava que a jovem comunista tinha sido assassinada com dois tiros: um na coxa direita, disparado por um fuzil 7,62, e outro na cabeça " no osso parietal esquerdo, típico de passagem de projétil de arma de fogo, que teve direção de baixo para cima e de trás para a frente"- o tiro disparado por Júlio Santana. Com a confirmação científica, estava concluída a identificação do primeiro corpo de um comunista morto na guerrilha do Araguaia. Até hoje, Maria Lúcia Petit é a única pessoa do movimento rebelde que morreu em confrontos com as forças militares a ter o corpo exumado e identificado - estima-se que cerca de sessenta comunistas tenham sido mortos na guerrilha.
O Exército jamais divulgou os nomes dos homens que deram os tiros que mataram a jovem comunista, naquela manhã de 16 de junho de 1972. Júlio Santana nunca soube o nome da moça que matou em seu segundo homicídio.
(pg 141 á 143)
Exatamente uma semana após matar Lúcia Pettit, Júlio Santana completava 18 anos. Naquela sexta-feira, 23 de Junho de 1972, ele acordou antes do amanhecer. Desde o dia em que assassinara a jovem guerrilheira, não conseguia dormir direito.
(...) situação da guerrilha do Araguaia. Os militares continuavam capturando e matando comunistas e moradores que colaboravam com o movimento. Um dos episódios mais assustadores dos últimos dias- contou o motorista- tinha sido a decapitação de um jovem guerrilheiro. Os soldados chegaram a passar pelas ruas de Xambioá carregando nas mãos a cabeça do homem. (pg 155);
Desde meados de 1980, o tio Cícero Santana comentava com ele sobre a enorme quantidade de pessoas, de várias partes do Brasil que iam a Serra Pelada na esperança de encontrar ouro e enriquecer. Á época, a recente descoberta do minério havia transformado a região numa espécie de eldorado, com cerca de 20 mil homens escavando a Serra dos Carajás á procura de pedras douradas. O êxodo foi tamanho que, pouco mais de um ano depois- em setembro de 1981-, já eram quase 80 mil garimpeiros vivendo e trabalhando em Serra Pelada. Poucas cidades do Pará tinham tanta gente.
Júlio ficou impressionado em saber que aquele minúsculo pedaço de ouro podia valer tanto- na época, o salário mínimo era de 8.460 cruzeiros e 1 grama de ouro era vendido em Serra Pelada por 900 cruzeiros(pg 175);
Em junho de 1972, Júlio matou , durante a guerrilha do Araguaia, a comunista Maria Lúcia Petit da Silva, á época com 22 anos. A jovem , que era professora, trabalhava na educação das crianças da região. No dia do crime, um dos militares que participou da emboscada fez uma foto da guerrilheira morta para identificação. Os restos mortais de Maria Lúcia Petit só seriam identificados em Maio de 1996- quase vinte e quatro anos após o assassinato - , por uma equipe de especialistas da Universidade Estadual de Campinas(Unicamp), em São Paulo.
Aos 52 anos, Júlio se dizia exausto daquela vida desgraçada, de matar um aqui e outro acolá.Além disso, não tinha mais agilidade, a força e a visão aguçada do passado. (pg 213);
" Era Novembro de 1983, e Júlio havia sido contratado por um agiota de Teresina, no Piauí, para matar um bancário que lhe devia dinheiro . Pelo crime, receberia 550 mil cruzeiros, pouco menos de dez sala´rios mínimos da época, que era de 57. 120 cruzeiros. pg 218.
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